Giovani
Iemini*
Desde
cedo me acostumei com a reação das pessoas quando eu contava que meu pai era de
Três Corações – cidade do Pelé!
Me
envaidecia, a maioria das cidades de pessoas que vieram para Brasília era
desconhecida. A do meu pai não, lá tinha nascido uma das celebridades mais
famosas do mundo. As outras eram Beatles e Jesus Cristo. Meu pai, cristão,
adorava os Beatles mas, curiosamente, não gostava muito do Pelé – o negão nunca fez nada pela cidade.
Eram
os anos oitenta, Pelé ainda não descobrira o marketing de se mostrar “um homem
de três corações”.
Os
anos passaram, as ações humanitárias e pacíficas do Pelé confirmaram-se
legítimas e originais, sua imagem firmou-se com uma amplitude superior a do
atleta do século. Sua cidade tornou-se quase nazarena, uma meca do profeta
boleiro. Meu pai continuava não gostando dele – agora se aproveita da imagem da cidade.
Me
divertia essa bronca desmotivada. Eu estava ainda mais satisfeito com a ligação
da minha família com uma personalidade tão mundial. Então, inauguraram uma
estátua enorme do rei no balão de entrada da cidade. Ele está socando o ar, sua
pose mais conhecida, contudo, pitorescamente, parece também estar jogando uma
pedra. Alguns, maldosamente, dizem que joga uma pedra sobre Três Corações. Meu
pai detesta a estátua. Afinal, qual seria o motivo de seu desprezo? – contra o Pele? Nada. É um grande sujeito,
pessoa nobre.
Finalmente
entendi a visão tricordiana de meu pai. Ele era orgulhoso de Três Corações,
independente do Rei do Futebol também ser dali. Achava que a cidade fez mais
pelo atleta que o atleta por ela, era como se nascer em Três Corações fosse uma
vantagem para o Pelé, não o contrário. Mesmo que ele não se tornasse quem é,
ainda seria um favorecido por ter nascido lá. Para meu pai, quando o Pelé
entendeu isso, ele se aproveitou da cidade sem oferecer nada em troca,
diretamente ou não, pois a cidade não ganhou com sua imagem, embora seja a
Nazaré do Nascimento, nunca houve o lucrativo turismo ou algum benefício do
estado.
Essa
percepção era partilhada por todos: o Pelé era um cara legal, mas como todos os
outros da cidade, era apenas mais um abençoado tricordiano, agraciado pela
felicidade e o marketing de ser uma pessoa de Três Corações.
E
eu compreendi que o orgulho que eu sentia ao descobrirem que meu pai nasceu em
Três Corações era similar. Não era o Pelé que tornava a cidade especial, era o
meu pai. O verdadeiro homem de três corações era ele.
Ele
era meu pai, oras, para mim, a pessoa mais famosa do mundo.
*Giovanni
é escritor, mora em Brasília (DF), é filho de João Flávio Iemini e neto da
professora Clotilde Iemini de Rezende Brasil.
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