O ano de 1970 embalava minha
adolescência de 16 anos de rapaz pobre e humilde, pais semianalfabetos,
Briguidinho carroceiro, comandava os peões e “apanhadores” de café na fazenda
da Serrinha – ou Limeira, não sei –, dona Lia cuidando da casa de chão batido,
lá no Triângulo, água de cisterna e “casinha” no fundo da horta, fogão à lenha,
ferro de passar à brasa, sabão de cinza, banho de bacia... êta fumacê!!!
Com 16 anos, ainda estava
cursando o ginásio. Explico: fui pro Bueno Brandão com 8 anos, fiz um ano de
Admissão com o professor Théo Vitor Chavasco, no Pio XII, e aí, sim, no ano
seguinte, primeira série ginasial, repetida duas vezes. Antigamente era assim:
bobeou, reprovação. Sem dó nem piedade. Mas valeu a pena. Aprendi a respeitar os
meus mestres, tê-los como referência e a doce lembrança de mantê-los comigo até
hoje. E foram muitos, foram muitas. Deselegante citar nomes, agora, pois posso
incorrer na indelicadeza de omitir alguém.
Bem, estava eu lá no ginásio
quando cruzei com o moço pela primeira vez. Sujeito esquisito, estranho,
apressado feito um raio, ligeiro na prosa, a gente mal entendia. Tinha um
apelido científico: Cientista. Diziam que era louco, mas muito inteligente, que
dominava bem o inglês, o francês e até arriscava o alemão. Tinha fundamento:
vivia “socado” no casarão do professor Rízzio Santana, na Getúlio Vargas, frequentava
a casa do professor Régis e era “de dentro” da mansão do gerente da Nestlé,
doutor Fred Esterman, e de dona Terezinha. Amigo de Mônica e Marcelo (ai, que
saudade do amigo! Deixou-nos prematuramente, aos 19 anos, aquele que seria, em
breve, um brilhante engenheiro agrônomo). Nome bonito – Luiz Antônio Maia - o
moço era inteligente, sim. Claro que era! “Papou” o primeiro lugar na Feira de
Ciências promovida pelo Colégio Estadual, lá no Montese Clube. Montou um
aparelho de rádio. E funcionou. Em pleno dia. Dizem que pegava sinais de
emissora até da Alemanha. O professor Rízzio vibrava com o moleque, que
escrevia bem, com rapidez. Começo, meio e fim. Só “notaço” em Português,
Matemática, Inglês, Francês, Física, Química, Biologia. As notas só não eram
melhores do que as da Mônica Esterman.
Já tinha o Jornal Aquário, que
nasceu no dia 20 de dezembro de 1970. Acho que Luiz Antônio Maia é um pouco mais
velho do que eu: diferença de 3 anos. Somos aquarianos: ele, do dia 11, e eu,
16 de fevereiro.
Depois que viu minha “coluna” no
jornal “João”, editado pelo Beto Iemini, no Colégio, convidou-me para escrever
pro Aquário. E lá fui com “panca” de colunista, crente que estava abafando...
Coisa de jovem deslumbrado na altura dos seus 18, 19 anos, locutor novinho,
descoberto e criado pelo saudoso Jorge Avellar Netto. Aí virou uma confusão só.
Locutor aos 18 alimentando a ilusão da previsão do Avellar Netto: “Esse menino
será um dos melhores locutores da região”. E o pior é que tem gente que
confirma a previsão do jornalista que fundou a ZYK-6, Rádio Clube Três
Corações, em 1947.
E fomos lá “fazer” rádio e
escrever pro Jornal Aquário. Era linotipo, não me lembro bem: só sei que o
Márcio Amâncio e os meninos da época, assessorados pelo “chefinho”, com graxa
até nos olhos, juntavam, na tipografia tradicional, letrinha por letrinha até
montar a palavra, daí a frase, que formaria, algum tempo depois, o texto
inteiro. Mais tarde, ele comprou uma máquina equipada com chumbo em ponto
líquido, capaz de compor uma linha inteira de texto; esta, assim que batida no
teclado da máquina, era imediatamente fundida e integrada na composição de
colunas e de páginas. Era uma delícia ver aquilo. Pronto. Apaixonei-me pela comunicação,
pelo jornalismo, pelo rádio. Já tinha decidido minha vida, ao contrário do
queria dona Lia de Oliveira: “meu filho vai ser engenheiro”, acreditava. Ainda
bem que ela tinha o maior orgulho em ouvir o filho pelas ondas da ZYK-6 e,
depois, vendo os primeiros rabiscos editados no Jornal Aquário.
Luiz Antonio Maia, o Cientista |
Anos se passam, o nome fictício
ficou escondido no “Aquário” e nasceu o Jornal Três, lá pelos anos de 1976.
Acho até que deu problema com uma editora homônima. O tempo anda a seu curso,
Luiz Antônio Maia, enganjado na proposta de fazer o jornal da melhor maneira
possível, foi parar na Alemanha. Não me perguntem se é verdade. Eu não o
acompanhei ao aeroporto, nunca vi passaporte nem um “retrato” do crioulo na
Europa. Mas também não duvido. Acredito nele. Ele falou, confio. É um dos meus
melhores amigos.
Um dia conheceu Estacídia, a
quem, mais tarde, viria a chamar “carinhosamente” de Oncinha: “Nunca vi comer
carne assim, parece uma oncinha”, ele disse. Daí, Oncinha virou moda. Ah, no
casamento, lá na Igreja Santo Reis, na Cotia, a “coisa” – apressada e
alvoroçada, como sempre – nem esperou o padre recitar as palavras que os
uniriam como marido e mulher. Ele antecipou o ritual e acabou casando mesmo. Todo
mundo caiu na risada. Acho que até o padre.
Vêm os anos 80, discoteca no
auge, ele monta um som maravilhoso que agitaria os bailes da brilhantina na
Skadaria do Leonel, na antiga sede do Atlético, no Parque Infantil. Tempos
fantásticos. Cientista dava show de DJ. E dançava, e agitava a galera. Cuba
libre inseparável. Hi-fi também. Uísque e muita cerveja.
O que é bom dura pouco. O Leonel
morreu, a moçada cresceu, foi se casando ou juntando, o tempo invadindo o
espaço, Olívia Newton-John e John Travolta ficaram na saudade, assim como os
Bee Gees, As Frenéticas, entre tantos. Mas a “Telma” adorava se embalar ao som
do Village People: “Macho, macho man!!!” Era grito de guerra gay... O mundo
amava. Tinha Gloria Gaynor, Abba... Huummmm... tem que pai que é cego!!!
(rsrsrsrs). Ele cantou tanto a versão do original dos Light Reflections, “Tell
me once again”, gravada pelo Ney Matogrosso, que caiu na boca do povo como
“Telma, eu não sou gay”. Até hoje a gente dá muita risada com essa história. À
base de uma cachacinha, cerveja e um tira-gosto feitinho na hora nesses botecos
da vida.
Se tem uma coisa no “Cientista”
que eu não consigo descobrir até hoje – o Sergio Vermelho e o Chico Elias
também querem entender – é aquela aflição que toma conta daquele corpo, sempre
quando se aproxima quinta-feira. Dizem que há uma “metamorfose” estranhíssima,
com mudança de personalidade... É um tal de abrir o guarda-roupas e escolher,
escolher, escolher... rsrsrsrsrs...
Bem, tudo isso é motivo de muita
risada quando estamos reunidos, sempre num fim de tarde, cada vez num bar. E o
papo rola, o tempo passa, o tempo volta, bate saudade, percebemos que estamos
ficando velhos e que não há nada a fazer senão rememorarmos o que de melhor
fizemos e eternizarmos aquilo que nos deixa felizes: a amizade, o carinho,
respeito e admiração que sentimos um pelo outro.
Finalmente alguém se lembrou de homenagear este tricordiano que há tantos anos luta em Três Corações!
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