2 de nov. de 2011

O ano em que conheci o Cientista

João Oliveira Silva


O ano de 1970 embalava minha adolescência de 16 anos de rapaz pobre e humilde, pais semianalfabetos, Briguidinho carroceiro, comandava os peões e “apanhadores” de café na fazenda da Serrinha – ou Limeira, não sei –, dona Lia cuidando da casa de chão batido, lá no Triângulo, água de cisterna e “casinha” no fundo da horta, fogão à lenha, ferro de passar à brasa, sabão de cinza, banho de bacia... êta fumacê!!!


Com 16 anos, ainda estava cursando o ginásio. Explico: fui pro Bueno Brandão com 8 anos, fiz um ano de Admissão com o professor Théo Vitor Chavasco, no Pio XII, e aí, sim, no ano seguinte, primeira série ginasial, repetida duas vezes. Antigamente era assim: bobeou, reprovação. Sem dó nem piedade. Mas valeu a pena. Aprendi a respeitar os meus mestres, tê-los como referência e a doce lembrança de mantê-los comigo até hoje. E foram muitos, foram muitas. Deselegante citar nomes, agora, pois posso incorrer na indelicadeza de omitir alguém.

Bem, estava eu lá no ginásio quando cruzei com o moço pela primeira vez. Sujeito esquisito, estranho, apressado feito um raio, ligeiro na prosa, a gente mal entendia. Tinha um apelido científico: Cientista. Diziam que era louco, mas muito inteligente, que dominava bem o inglês, o francês e até arriscava o alemão. Tinha fundamento: vivia “socado” no casarão do professor Rízzio Santana, na Getúlio Vargas, frequentava a casa do professor Régis e era “de dentro” da mansão do gerente da Nestlé, doutor Fred Esterman, e de dona Terezinha. Amigo de Mônica e Marcelo (ai, que saudade do amigo! Deixou-nos prematuramente, aos 19 anos, aquele que seria, em breve, um brilhante engenheiro agrônomo). Nome bonito – Luiz Antônio Maia - o moço era inteligente, sim. Claro que era! “Papou” o primeiro lugar na Feira de Ciências promovida pelo Colégio Estadual, lá no Montese Clube. Montou um aparelho de rádio. E funcionou. Em pleno dia. Dizem que pegava sinais de emissora até da Alemanha. O professor Rízzio vibrava com o moleque, que escrevia bem, com rapidez. Começo, meio e fim. Só “notaço” em Português, Matemática, Inglês, Francês, Física, Química, Biologia. As notas só não eram melhores do que as da Mônica Esterman.

Já tinha o Jornal Aquário, que nasceu no dia 20 de dezembro de 1970. Acho que Luiz Antônio Maia é um pouco mais velho do que eu: diferença de 3 anos. Somos aquarianos: ele, do dia 11, e eu, 16 de fevereiro.

Depois que viu minha “coluna” no jornal “João”, editado pelo Beto Iemini, no Colégio, convidou-me para escrever pro Aquário. E lá fui com “panca” de colunista, crente que estava abafando... Coisa de jovem deslumbrado na altura dos seus 18, 19 anos, locutor novinho, descoberto e criado pelo saudoso Jorge Avellar Netto. Aí virou uma confusão só. Locutor aos 18 alimentando a ilusão da previsão do Avellar Netto: “Esse menino será um dos melhores locutores da região”. E o pior é que tem gente que confirma a previsão do jornalista que fundou a ZYK-6, Rádio Clube Três Corações, em 1947.

E fomos lá “fazer” rádio e escrever pro Jornal Aquário. Era linotipo, não me lembro bem: só sei que o Márcio Amâncio e os meninos da época, assessorados pelo “chefinho”, com graxa até nos olhos, juntavam, na tipografia tradicional, letrinha por letrinha até montar a palavra, daí a frase, que formaria, algum tempo depois, o texto inteiro. Mais tarde, ele comprou uma máquina equipada com chumbo em ponto líquido, capaz de compor uma linha inteira de texto; esta, assim que batida no teclado da máquina, era imediatamente fundida e integrada na composição de colunas e de páginas. Era uma delícia ver aquilo. Pronto. Apaixonei-me pela comunicação, pelo jornalismo, pelo rádio. Já tinha decidido minha vida, ao contrário do queria dona Lia de Oliveira: “meu filho vai ser engenheiro”, acreditava. Ainda bem que ela tinha o maior orgulho em ouvir o filho pelas ondas da ZYK-6 e, depois, vendo os primeiros rabiscos editados no Jornal Aquário.

Luiz Antonio Maia, o Cientista
Anos se passam, o nome fictício ficou escondido no “Aquário” e nasceu o Jornal Três, lá pelos anos de 1976. Acho até que deu problema com uma editora homônima. O tempo anda a seu curso, Luiz Antônio Maia, enganjado na proposta de fazer o jornal da melhor maneira possível, foi parar na Alemanha. Não me perguntem se é verdade. Eu não o acompanhei ao aeroporto, nunca vi passaporte nem um “retrato” do crioulo na Europa. Mas também não duvido. Acredito nele. Ele falou, confio. É um dos meus melhores amigos.

Um dia conheceu Estacídia, a quem, mais tarde, viria a chamar “carinhosamente” de Oncinha: “Nunca vi comer carne assim, parece uma oncinha”, ele disse. Daí, Oncinha virou moda. Ah, no casamento, lá na Igreja Santo Reis, na Cotia, a “coisa” – apressada e alvoroçada, como sempre – nem esperou o padre recitar as palavras que os uniriam como marido e mulher. Ele antecipou o ritual e acabou casando mesmo. Todo mundo caiu na risada. Acho que até o padre.

Vêm os anos 80, discoteca no auge, ele monta um som maravilhoso que agitaria os bailes da brilhantina na Skadaria do Leonel, na antiga sede do Atlético, no Parque Infantil. Tempos fantásticos. Cientista dava show de DJ. E dançava, e agitava a galera. Cuba libre inseparável. Hi-fi também. Uísque e muita cerveja.

O que é bom dura pouco. O Leonel morreu, a moçada cresceu, foi se casando ou juntando, o tempo invadindo o espaço, Olívia Newton-John e John Travolta ficaram na saudade, assim como os Bee Gees, As Frenéticas, entre tantos. Mas a “Telma” adorava se embalar ao som do Village People: “Macho, macho man!!!” Era grito de guerra gay... O mundo amava. Tinha Gloria Gaynor, Abba... Huummmm... tem que pai que é cego!!! (rsrsrsrs). Ele cantou tanto a versão do original dos Light Reflections, “Tell me once again”, gravada pelo Ney Matogrosso, que caiu na boca do povo como “Telma, eu não sou gay”. Até hoje a gente dá muita risada com essa história. À base de uma cachacinha, cerveja e um tira-gosto feitinho na hora nesses botecos da vida.

Se tem uma coisa no “Cientista” que eu não consigo descobrir até hoje – o Sergio Vermelho e o Chico Elias também querem entender – é aquela aflição que toma conta daquele corpo, sempre quando se aproxima quinta-feira. Dizem que há uma “metamorfose” estranhíssima, com mudança de personalidade... É um tal de abrir o guarda-roupas e escolher, escolher, escolher... rsrsrsrsrs...

Bem, tudo isso é motivo de muita risada quando estamos reunidos, sempre num fim de tarde, cada vez num bar. E o papo rola, o tempo passa, o tempo volta, bate saudade, percebemos que estamos ficando velhos e que não há nada a fazer senão rememorarmos o que de melhor fizemos e eternizarmos aquilo que nos deixa felizes: a amizade, o carinho, respeito e admiração que sentimos um pelo outro.

O resto é coisa de “Telma”. Pergunte a ele.

Um comentário:

  1. Finalmente alguém se lembrou de homenagear este tricordiano que há tantos anos luta em Três Corações!

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