Nathália Rezende Naves*
Todas as vezes que penso no Parque Infantil sinto um aperto no peito e um sentimento de perda angustiante...como eu gostava daquela roda gigante que tanto medo me fazia...e os escorregadores, tão grandes e desafiadores para uma criança de 4 anos...o cheiro das árvores e os balanços...nunca tive coragem de balançar muito alto como meus coleguinhas... mas gostava de vê-los quando gangorrava...
Vinte e um anos depois na iminência de sua destruição assoma-me o mesmo medo de antes e o sentimento de perda agora é sufocante... para salvá-lo em nossas memórias resolvi estudar para essas linhas simples escrever. As fontes escritas e oficiais são escassas e as memorialistas estão morrendo ou simplesmente foram deixadas de lado.
Antes mesmo de nossa cidade ser elevada a categoria de município emancipado aquele pedaço de terra no alto de nossa principal avenida já tinha sua importância. Ali o português Tomé Martins da Costa - 'fundador do nosso torrão'- erigiu nossa primeira capela consagrada aos corações santíssimos de José, Maria e Jesus em 16 de setembro de 1760 e em 1844 era nossa primeira matriz. Segundo costumes europeus medievais usava-se enterrar dentro das capelas os mortos importantes e atrás das mesmas os mortos comuns...o parque fora nosso primeiro cemitério e os restos mortais que jazem lá, hoje estão transfigurados em elementos essenciais das árvores que tão benéficas sombras nos oferecem...sendo assim, nelas estão representados nossos fundadores.
No ano de 1892 a pequena igreja tão simples - segundo fonte obtida na Casa da Cultura- tornou-se Primeira Comarca de Três Corações pelo juiz de direito Dr. Alberto Gomes Ribeiro da Luz para ser demolida em 1896, quanto de nosso patrimônio foi demolido junto com ela, quanto de nossa arte sacra, relíquias de nossos artistas. Escombros no chão, surge espaço para a Praça da Liberdade, local de reunião dos cidadãos da incipiente cidade, congregação social chamariz para a movimentação do que seria o centro citadino.
Enfim, durante um dos mandatos do prefeito Odilon Rezende Andrade em meados da década de 60, a Praça da Liberdade começou a ser transformada no Parque infantil, durante as escavações que acomodariam as bases do parque foram encontrados despojos dos mortos ali sepultados, pasmem, eles não foram removidos e o parque surgiu sobre seus restos mortais por isso as árvores são tão importantes e as lendas também...
O parque infantil cujo nome é Rodrigo de Moraes Abdala foi tombado pelo patrimônio histórico da cidade de Três Corações pelo decreto n° 989/99 de 7 de janeiro de 1999, está localizado na Praça Benevenuto Barros, todo seu perímetro constitui o Patrimônio, seu conjunto paisagístico, suas grades, seus jardins, o obelisco, a fachada... mas patrimônio não é só o conjunto físico e arquitetônico é também a memória coletiva, as emoções provocadas em mim e em outras pessoas por aquele lugar fazem parte desse contexto histórico cultural... os brinquedos devem ser renovados, sim, pois as crianças são outras e cada geração tem suas peculiaridades, mas o ambiente e as estruturas que remetem à história da formação de nossa cidade não deve ser mexida.
Que o novo venha, sem contudo destruir o que resta de nossas lembranças, base do nosso presente e um ponto seguro diante do futuro. Três Corações é uma cidade com muito espaço para o crescimento e merece um lugar de lazer moderno e pragmático, mas ali na pequena Praça Benevenuto Barros deve ficar nosso parquinho, bonito e conservado em todos os sentidos, para que amanhã eu possa contar aos meus alunos, filhos, sobrinhos e netos que brinquei sob aquelas árvores e que logo ali perto de um dos canteiros tinha uma 'roda gigante'... e que algumas pessoas contam ouvir no farfalhar das folhas as vozes dos mortos enterrados ali... e que tinha uma senhora muito brava que tomava conta, zelava e vigiava os brinquedos pra que ninguém estragasse...
P.S.: As árvores do Parque não existem mais... As vozes dos primeiros tricordianos se calaram, desta vez para sempre?
“Todos em alvoroço constante,
Gritaria, corre-corre, pega-pega.
São lembranças boas de nossa
infância,
Da gangorra, do balanço, do
escorrega.
Grades altas, resistentes,
protegendo.
As crianças se agitando em
frenesi.
Meu 'parquinho' ainda agora estou
te vendo,
Bons tempos; quão feliz brinquei
aqui!
Agitação, tombos, correria.
Tudo era diversão.
Nos lembramos saudosos desses
dias
Com carinho e muita emoção.
Virou Patrimônio, pra nossa
alegria.
Como não poderia deixar de ser.
Estará sempre em nossa fantasia.
Parque Infantil amamos você!”
Cristina Iemini de Rezende
*Professora de História, atriz e autora de teatro em Três Corações, apaixonada pela memória tricordiana.
Fui este fim de semana em Três Corações, terra que a muito tempo adotei como minha. Vi o Parque Infantil demolido... Fiquei imensamente triste.
ResponderExcluirÉ, todos nós estamos. O Parque faz parte de nossas vidas e a gente se assusta quando o vê daquela maneira. Vamos esperar que a reforma faça jus as nossas memórias.
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