*Ilze Garcia Ribeiro
Filho do Sr. José Alves Ribeiro
(Juca Barbeiro) e de dona Maria Augusta Bellas (Mariquinha) Benedito, o caçula
dos irmãos (Davina, José, Jaime, Sílvio, Lico) da família Ribeiro, nasceu na
casa de esquina da Rua Frederico Ozanan com Av. Francisco Antonio Pereira, no
dia 16 de agosto de 1922. “Zinho” (como vovó Mariquinha o chamava) era um
menino tão... “arteiro” que, estudando na Escola Bueno Brandão, sob a direção
do Sr. Manuel Franco da Rosa, levou umas boas chineladas de dona Maria Laura
(servente da escola e defensora das professoras). Em casa era outra surra da
vovó Mariquinha. Como da vez em que ele construiu um carrinho de rolimã (e
descia a av.Cel. Francisco A. Pereira, passando pela Igreja Matriz e desembocando
sob o balcão da Casa Primavera. Fora os arranhões, era uma maravilha) e o amigo Toninho (mais tarde, professor
Luis Antonio Cury) quis a todo custo participar da brincadeira. “Zinho” não
queria deixar, dizendo que era perigoso, mas o menino tanto insistiu que meu
pai resolveu levá-lo na garupa. E lá foram eles! A rua parecia mais lisa que do
costume e o carrinho de rolimã, descendo em desabalada carreira (o “carona” aos
berros agarrado na cintura do “piloto”), passou “voando” pela Igreja Matriz,
nem dando tempo pra, pelo menos, um Sinal da Cruz! Quando acordaram estavam
“enfiados” no balcão da Casa Primavera, com o Sr. Naback desmaiado ao lado.
Mal completara os 12 anos,
“Zinho” e sua família sofreram um golpe tremendo com o desencarne de dona
Mariquinha (aos 34 anos) vítima de um impiedoso carcinoma. Vovô Juca ensinou os
filhos, já adolescentes, o ofício de Barbeiro. Só a tia Davina escapou. Os
rapazes também gostavam de música e aprendiam com a maior facilidade. Além da
tia Davina (desafinaaaaada) apenas escapou o tio Sílvio, interessado mais na
granjo-cultura! Nessa época, o “Zinho” foi promovido a “Dunga” e a tia Davina
numa das personagens femininas (?) da história.
Obs: prescrevo abaixo, alguns
parágrafos deixados pelo meu pai, Dunga, em folhas de um caderno, que ele
guardava na barbearia: “... foi em 1938 (aos 16 anos) quando calcei as
primeiras chuteiras para defender o juvenil do Atlético, clube de nossa querida
terra dos Três Corações. Era um juvenil muito respeitado, quase imbatível.
Nosso treinador foi o saudoso lateral esquerdo do ACTC, Quintino. Em 1940 fui
promovido à aspirante do Atlético Clube Três Corações. Em 1941 passei a titular
absoluto na zaga atleticana, ao lado do meu primo Vavá (grande zagueiro). Neste
mesmo ano fui convocado à seleção tricordiana, para disputar o campeonato Sul
Mineiro, do qual fomos campeões...”
Obs: a seleção tricordiana a que
Dunga se referia era a L.E.T. (Liga Esportiva Tricordiana) criada em 1941 e
mesclada por atletas cedidos pelos demais setores esportivos de nossa cidade,
como: ACTC, Canto do Rio, 4º RCD e Gymnásio Três Corações, justamente para
compor um elenco a altura deste campeonato. “... este campeonato foi dividido
em duas zonas: Vale do Sapucaí e Vale do Rio Verde, sendo o Yuracan de Itajubá,
campeão pelo Vale do Sapucaí e a L.E.T. de Três Corações, campeã pelo Vale do
Rio Verde. Houve uma “melhor de três” entre os campeões. O primeiro jogo foi em
Itajubá com a vitória do Yuracan por 2 x 1. O segundo jogo aconteceu em Três Corações ,
quando a L.E.T. venceu pelo mesmo score, ou seja, 2 x 1.
Aí, partimos para o terceiro jogo
(que por opção de ambas as partes, aconteceria num estádio neutro). A cidade de
Varginha foi escolhida para recepcionar as duas equipes.
Neste jogo, acontecido na tarde
de 17 de dezembro de 1941, a
Liga Esportiva Tricordiana (L.E.T.) sagrou-se campeã, vencendo o Yuracan de
Itajubá por 4 x 1 (com Dondinho fazendo três gols de cabeça). O Laboratório
Raul Leite do Rio de Janeiro ofereceu ao campeão a linda e famosa “Taça
Guaraína” (que a praga do Bogarin “usurpou” e ñ quer devolver), que trouxemos
para Três Corações depois de muita garra e luta, apoiados e incentivados pela
nossa torcida tricordiana...”
Dondinho jogou pelo 4º RCD até
dar baixa do exército. Já casado com dona Celeste e nascido o filho, Édson, foi
convocado para o Vasco de São Lourenço em meados de 1943, para onde “arrastou”
alguns de seus companheiros tricordianos como, Dunga que ainda jogava no
Atlético de Três Corações, Oscar Rosa, Vavá, etc. Meu pai, contratado pelo
Vasco se hospedou no hotel Brasil em São Lourenço. E por achar “sedentarismo” demais para
um jovem de 20 e poucos anos, sugeriu ao dono do hotel que montasse ali uma
barbearia para que ele pudesse trabalhar. Mais que depressa, o hoteleiro tratou
de buscar cadeira e demais apetrechos de barbeiro, montando um salãozinho
naquela pousada, onde meu pai completava seu “batente”.
Certa vez um colega jogador, que
morava noutro hotel foi buscar o amigo Dunga para cortar cabelo e fazer barba
de dois senhores que visitavam São Lourenço. Meu pai juntou sua maletinha e foi
“caprichar o visual” dos ilustres visitantes, que nada mais eram que Dr.
Getúlio Dorneles Vargas (Presidente do Brasil) e seu secretário de ordens.
Por volta de 1946, meu pai e
Dondinho foram convocados para o B.A.C. de Bauru/SP. E lá foram os dois, a
princípio dividindo um quarto de hotel naquela cidade. Meses depois Dondinho
veio a Três Corações buscar sua família. Meu pai costumava lembrar-se dos
domingos em Bauru, quando Celeste pedia a Édson (mais tarde Pelé) para ir ao
hotel buscar o Dunga para o almoço. Por volta de 1948, a convite da
diretoria do São Paulo F. C. meu pai tirou uma licença do B.A.C. e foi fazer
uns testes no clube paulista.
Aprovado, voltou a Bauru, mas por
uma questão de amizade, consideração e um respeitável aumento no salário,
continuou no B.A.C. Nesta mesma época, conheceu Clarinda, uma jovem professora
de corte e costura, dona de um ateliê em Bauru. Dunga logo fez
amizade com Clóvis filho de oito anos da modista, com quem começou a namorar.
Convocado para testes na Seleção
Brasileira de 1950, junto com Dondinho e demais companheiros, às vésperas da
viagem para o encontro da Seleção, Dunga quebra o pé esquerdo num confronto de
adversários em jogo amistoso. Dunga volta para Três Corações, física e
emocionalmente ferido, pelos sonhos interrompidos tragicamente. Em Bauru ficara
Clarinda, a modista, Clóvis e... eu (a caminho)!
No início de 1950, mamãe juntou
suas malas, cuias, filho, barriga... e veio encontrar meu pai em Três Corações. Nasci
no dia 23 de abril de 1950. Pra quem gosta de aventura, nossa vida sempre foi
um prato feito! O Clóvis estudando, eu engatinhando... Em agosto de 1951 nasce
a Leila e a gente já não morava mais na casa do vovô, que havia sido vendida.
Papai comprara um terreno com cara, coragem e o incentivo de minha mãe. Em julho
de 1955 nasce a Zilma! Papai trabalhava com tio Jaime na barbearia que fora do
meu avô, na Rua Frederico Ozanan. Já não sonhava tanto com os campos de futebol, mas quando o
chamaram para técnico do Atlético e ou do Canto do Rio, papai não hesitou! A
paixão pelo futebol se refletiu na dedicação aos “pupilos” (referindo-se à
juventude tricordiana) que ele via nascer, “crescer” e se realizar diante de um
sonho.
Nesta época Pelé já tinha
“deslanchado” Seleção a fora, e por ocasião do tri campeonato em 1970, enviou
um telegrama confraternizante ao “tio Dunga” (como costumava chamar meu pai)
por mais esta vitória. Em 1971, Pelé, vindo a Três Corações inaugurar sua Rua e
sua Praça, foi abraçar seu barbeiro amigo. Foi quando encontrei Dondinho pela
ultima vez.
Dunga gostava de tocar violão,
formando com velhos amigos um grupo de seresta. Em 1972 nascia minha sobrinha
Luciana, a quem papai dedicou a valsa “Luciana”, sua primeira composição, sob
os arranjos em partitura do grande amigo, Maestro Alberto Luiz Ferreira de
Brito.
Infelizmente no ano de 1995,
mamãe desencarnou aos 74 anos. Em meio a tanta tristeza e dor, Dunga ganhou
todo o carinho dos seus quatro filhos, Clóvis, Leila, Zilma e eu, os 11 netos:
Wellyngton, Susyanne, Luciana, Marcus Fábio, Flávio, Bruno, Mara Rhubia,
Rubinho, Toulouse, Kilze, Keyser. Os bisnetos: Mellory, Anna Júlia, Davi,
Daniel e Lia, chegaram depois. No início de 1996, juntei meus “malinhas” (Tou,
Kill e Key) e vim para Três Corações fazer-lhe companhia.
Com um cérebro sempre em
atividade, por várias vezes “seu” Dunga participou de torneios de xadrez e
damas, muitas delas sagrando-se campeão. Inegável sua preferência
indiscriminada pelas damas... brancas ou pretas... Jogador de futebol,
enxadrista, damista, seresteiro, contador de histórias, “seu” Dunga foi-me uma
grande fonte de incentivo na busca por fatos históricos em nossa cidade.
Graças ao talento e ousadia deste
amado avô, os netos Toulouse, Flávio, Keyser e Bruno, desenvolveram seus dons
musicais, usufruindo de todas as possibilidades. Lá pras bandas de Uberlândia,
Mara Rhúbia e Rubinho também aderiram às canções gospel: Mara Rhúbia canta,
toca bateria e teclado, Rubinho toca bateria, guitarra, contra baixo e teclado,
(en-corujados pela mamã Zilma).
Em 2004, os irmãos (meus
filhotes), Toulouse e Keyser montaram a banda de rock and roll “Os
Vantherléios”, com mais dois amigos (Rudney e Rodrigo) e em um CD de músicas próprias
dedicaram a canção “Magical Céu Azul” ao querido avô Dunga. Não raro, papai
chegava à tardezinha da barbearia e ia se juntar aos netos na casinha dos
fundos (bat-caverna ou abatedouro), onde até hoje ensaiam. A gente percebia
seus olhos brilharem de satisfação, ouvindo Beatles, Elvis ou Stones entoados
pelos meninos, tamanha a musicalidade com que executavam estes clássicos do
rock.
Durante muito tempo, jornalistas
dos quatro cantos do planeta visitaram Três Corações e a Barbearia do “Seu”
Dunga, em busca da história sobre o Pelé, o “Atleta do Século”.
Em outubro de 1987, o Fantástico
veio até Três Corações e gravou um especial com o Atleta do Século incluindo a
barbearia e seus integrantes.
Anos mais tarde, uma equipe de
reportagem da produção do Domingão do Faustão gravou durante uma semana em Três Corações e com
meu pai a história do Rei Pelé. No final combinaram de vir buscá-lo para ir até
o PROJAC no domingo da apresentação da matéria, para abraçar Pelé...
Mas... qual o quê... “seu” Dunga
bateu o pé... empacou... foi de jeito nenhum!
Como mamãe, papai era católico
praticante, não faltava procissão nem às missas de domingo. Todo domingo
almoçava na casa da Leila, fazia 2º tempo no almoço lá de casa e depois
apanhava um facão que ganhara do tio Silvio e ia “phodar” o quintal. O
entusiasmo era tanto que acabava cortando as árvores, roseiras e samambaias,
que mamãe havia plantado com tanto carinho e agora eu cuidava com o maior
desvelo. Não adiantava implorar, ameaçar (ele era o chefe da tribo, provedor da
sustança da galera). Como sou espírita, tive uma idéia enquanto espiava a
“capina” da horta. Com dor no coração, calmamente falei-lhe: “pai, o senhor
sabia que é médium de incorporação?” Ao que ele retrucou, brandindo o facão em
direção ao tronco da Alfavaca: “Heeee...basta
qu’en é esse?” Aí, muito séria,
completei: “...toda vez que o senhor pega este facão, incorpora um bandeirante!
Hoje é o Fernão Dias... ‘tá sentindo?...”
Ah, na mesma hora ele largou o
facão ao pé da árvore, correu pra dentro, tomou um banho e foi assistir
Botafogo e Santos na televisão... Confesso que não tive remorsos. Fiz muito
chazinho de Alfavaca pra ele e pras crianças....
Até as vésperas de seu
falecimento, aos 83 anos de idade, papai ainda contava “causos” (em seu leito
no Hospital São Sebastião) dos quais fora testemunha desde criança, como: a
Revolução de 1930 em
Três Corações ; a chacina na cadeia (onde hoje é o Hospital
São Sebastião) com a morte dos assassinos da Fazenda da Queimada; a explosão do
Posto Santana; a explosão do vagão de trem na estação; etc. Numa tarde, pouco
antes de nos deixar, papai disse que queria sentar-se numa cadeira. Toulouse,
Marcus Fábio, Flavinho e Keyser, colocaram-no na cadeira de rodas, aí ele quis dar
uma volta. Os netos mais as duas bisnetinhas: Anna Julia e Mellory se ajuntaram
e fizeram com o avô um “tour” pelos corredores do hospital, até ele se cansar e
pedir para voltar ao quarto.
Às 19h30 desta terça-feira, dia
28 de março de 2006, amparado por mamãe e vovó Mariquinha, papai desencarnou
rodeado pelas filhas, netos, bisnetas e por seu genro Magno de quem ele tanto
gostava e considerava.
É só uma mudança de dimensões,
“Seu” Dunga continua presente ao nosso lado, participando dos contos e
“causos”, das alegrias e brincadeiras, nos almoços de domingo na casa da Leila
e Magno, nas rodas de serestas na barbearia, ao lado do Darcy (barbeiro), do
Roldão e “seu” Filinho Resck, cantando Nelson Gonçalves e “Seu” Vitor Cunha com
violão e cavaquinho nos “chorinhos” que eles tanto gostavam de tocar, no café
na casa da Vera Lúúúúúúcia (nossa prima, filha do tio Lico), no seu namoro
arreliado com a professora Nilza e, principalmente nas arteirices deste bisavô
arrojado.
Mesmo enfermo, papai não perdia o
bom humor, brincava apelidando os remédios desde 2004, quando a família toda
enfrentou junto sem deixar que ele soubesse de sua gravidade (a gente nunca
“bateu uma real” pra que ele não sofresse mais), tanto que, teimosinho que só
ele, foi à barbearia até uma semana antes de seguir a longa viagem.
Obs. Relembrando suas peripécias
ao lado de mamãe, quando ela se tornou cabeleireira com um salão em frente ao
dele,vinham almoçar juntos e na volta papai dava um jeitinho de driblá-la para
ficar mais um pouco em casa assistindo ao Globo Esporte, Toulouse compôs e
gravou o “Roçado do Bengala” para homenagear seus amados avós. Acho que não há
mesmo como pensar, falar ou se lembrar do nosso pai, Dunga, sem um único
sorriso no rosto... Vale a pena!
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