Nathália Rezende Naves*
"... O que é, com efeito, o presente?
No infinito da duração, um ponto minúsculo e que foge incessantemente; um
instante que mal nasce morre. Mal falei, mal agi e minhas palavras e meus atos
naufragam no reino da memória ...”. É com esta síntese do que é o tempo,
proposta por Marc Bloch, historiador francês, em seu livro Apologia da História
que começa essa singela homenagem, centrada na figura da Brigite, mas que busca
atingir todos os que fizeram a diferença e que deixaram traços que tornam Três
Corações única.
É
preciso lembrar que o que vai nessas linhas é baseado em relatos de pessoas que
gentilmente cederam suas lembranças, pois não há sobre a figura ‘Brigite’
nenhum relato histórico como data de confecção ou origem. Portanto, como na
citação acima, navegamos em águas incertas, remexidas pela liberdade que a
imaginação ganha ao passear pelas memórias e oralidade.
Em
meados dos anos 60, José Ribamar da Silva Soares, natural do Maranhão, no
nordeste brasileiro, chegou a Três Corações e estabeleceu sua primeira “Casas
Maracanã”, na antiga Rua 20, posteriormente Travessa Colombo, hoje Rua Rui
Barbosa. É possível imaginar que fato extraordinário foi esse: uma loja cheia
de “cortes” variados, estampas, texturas, artigos de cama, mesa e banho, um
luxo!
Tempos
depois a loja foi para outro ponto. Naquela época, a conhecida Rua Direita (15
de Novembro, hoje Presidente Getúlio Vargas), ganhou um novo prédio. “Seu”
Ribamar construiu a nova “Casas Maracanã” com um amplo espaço no primeiro
pavimento e moradia no segundo andar. A loja ficou ali até fechar suas portas.
Mas,
a loja é apenas o pano de fundo desta história. Como estratégia para atrair a
clientela, “seu” Ribamar trouxe para Três Corações a boneca gigante Marcelita,
por batismo. Opa! Marcelita? Sim, era este seu nome. Porém, para gerações de
tricordianos ela ficou conhecida como - a temida e/ou amada - Brigite. Muito alta,
colorida e, diga-se de passagem, muito estranha, a Brigite fascinava crianças e
adultos. Como se movimentava? O que tinha embaixo do vestido? Do que eram
feitas as mãos e a cabeça? Ousava-se chegar perto dela? Eu hein!! Ela pega! Não
raro as mães diziam: - Pare de chorar se não a Brigite te pega! – Como logo,
menino, que lá vem a Brigite! – Vai ficar na rua? Então, olha lá quem vem
vindo... O silêncio, o prato limpo e a obediência eram instantâneos. Ninguém em
sã consciência ousava enfrentar a “fúria” da Brigite.
Mas,
a medida que cresciam, as crianças percebiam que a Brigite era “gente boa”.
Dançava pelas ruas, alegrando os dias, ao lado do carro do “seu” Ribamar que
distribuía balas, enquanto fazia propaganda da Maracanã...
No
Carnaval a calunga, como os bonecos gigantes são conhecidos pelos carnavalescos
nordestinos mais antigos, assumia seu verdadeiro papel e desfilava pelas ruas
em Três Corações. A Brigite reinava sozinha sem disputar a atenção da platéia.
No
dia-a-dia tinha seu lugar cativo à frente da Maracanã, sempre sorrindo,
atraindo olhares de admiração e medo. Quantas pessoas não atravessaram a rua
para cumprimentar a Brigite, tomando a mão enorme entre as suas e balançando
com força? Atualmente a Brigite mora na Casa da Cultura Godofredo Rangel, onde
bem protegida pode preservar as lembranças impressas em suas vestes de chita,
em suas mãos tantas vezes apertadas com curiosidade, no riso provocado por seu
cabelo desgrenhado e por seu batom carmim... Guarda em seu sorriso as imagens de
um tempo em que comprar tecido era um grande acontecimento para as senhoras e
uma aventura insólita para os filhos agarrados às barras de suas saias...
O que é:
Calunga ou Boneca é um elemento sagrado dos Candomblés de Pernambuco, no Brasil. É uma boneca de madeira, ricamente vestida e que simboliza uma entidade ou rainha já morta. Sem ela o Maracatu não sai.
Os Bonecos Gigantes surgiram na Europa, provavelmente na Idade Média, sob a influência dos mitos pagãos escondidos pelos temores da Inquisição. Chegaram em Pernambuco através da pequena cidade de Belém do São Francisco no sertão do estado. Os bonecos surgiram da vontade de um jovem sonhador que ouvia atento as narrativas de um padre belga sobre o uso de bonecos nas festas religiosas da Europa. O primeiro boneco foi às ruas da pequena cidade durante o carnaval de 1919 com o surgimento do personagem Zé Pereira, confeccionado em corpo de madeira e cabeça em papel machê, somente no ano de 1929 resolveram criar sua companheira, boneca batizada com o nome de Vitalina.
*Professora de história, autora e atriz de teatro.
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